Vagueios indiscretos não guardados em mim

domingo, 9 de maio de 2010

revolta.

venho. sinto a minha expressão pesada. entro no carro, e nem uma palavra. ele apercebe-se, e rapidamente, leva-me à praia.
fico sozinha. tenho a música nas alturas, os fones o mais chegado a mim possível. saio do carro. tiro a vibração ao telemóvel, e começo a andar.
as nuvens cobriam tudo o que podia existir no céu, naquele fim de tarde, e ao longe, vê-se o sol passar por entre elas. o rebentar das ondas acalmava o meu espírito, os leves chuviscos molhavam-me a cara, e levavam alguma da tristeza que por mim passava.
sentei-me. encostei-me. a música continuava, e aliviava certa dor, de origem desconhecida.
não pensava em nada. subitamente, levantei-me. desci do passadiço, e fui procurar um lugar seco, no meio da areia molhada pela chuva. sentei-me em cima de uma rocha, enconstada a outra. puxei as pernas para mim. as calças dificultavam esta tarefa, mas isso não me impediu de o fazer. queria abraçar alguma coisa. alguma coisa que não falasse, que não apertasse, que não perguntasse porquê. queria estar sozinha e sem mais ninguém. só eu, e eu.
fechei os olhos, inspirei lentamente, expirei ainda mais lentamente. a música dá um forte som, e eu solto um pequeno gemido. não foi um grito, não foi um riso. parecia o início de um choro. mas não o foi. a vontade que tinha de chorar, parecia-me infinita. mas no entanto, não foi pela vontade que chorei. na verdade, não o fiz.
saí da praia. sentei-me no caminho que me levava lá. encostei-me a um banco. aí fiquei. só tinha o mar à minha frente. em cima , apenas se via as nuvens a ficarem cada vez mais escuras. dentro de mim, havia um conjunto infinito de sensações e sentimentos que me são impossíveis descrever. sei que estava bem sozinha. sentia-me revoltada com tudo e com todos. parecia que, de cada vez que me lembrava de todas as frases que alguma vez me disseram, eu encontrava algo com que contestar. apetecia-me chorar , e essa vontade ficava cada vez mais forte ao longo de todo o tempo em que ali estava. pensava em voltar para casa, ficar no meu quarto. mas aí, parecia-me ficar demasiado só. embora não estivesse ninguém à minha volta, sentia-me acompanhada. eu estava ali só, mas não me parecia. sempre que pensava na presença de alguém, pensava talvez numa invasão ao meu espaço. uma quebra de barreiras, e aí, aquele sentimento passava de pessoa em pessoa. e não o queria. por muito mau que fosse, queria guardá-lo comigo.
uma empatia com o clima foi óbvia. estava confusa, de vez em quando, sentia-me emanar um breve sorriso sem razão alguma. e foi depois de perceber isto, que o sol apareceu. mostrou-se sem vergonha e ficou ali durante breves momentos. sentia a expressão do meu rosto bem menos agressiva. sentia-me melhor. estava na altura de as nuvens voltarem a cobrir a fonte radiante que iluminava o meu pensamento.
levantei-me e fui caminhar ao longo do estrado que atravessava a praia toda. cheguei ao fim, e voltei para trás. já não estava sozinha. abrandei bastante o meu ritmo. observei com cuidado. era um homem, já de avançada idade. caminhava paralelamente a mim, mas pela areia. avançava sem cuidado nenhum. a água que caía agora do céu , afastou-o. pensei no que o levara ali, não me parecia pescador. a chuva que caía, não me levou a casa, mas sim a mais vontade de ficar ali. levemente, pus o carapuço da minha camisola, o do casaco, e continuei. como se nada fosse. quando a intensidade aumentou, não me deu vontade de correr, deu-me vontade de esperar , no sítio onde estava, até que parasse. e foi assim que fiz. nada me acelarava o passo. nem a chuva, nem o frio que sentia nas mãos. nem os cordões desapertados, nem os fones que me tinham caído dos ouvidos. simplesmente, continuava. lentamente, decidi sair dali, já nada fazia, já nada resolvia. aos poucos, aproximei-me da rua. caminhei até casa, e voltei para trás, por outro caminho. já estava sem a música ligada há algum tempo. afinal, era o que me fazia companhia. e o desejo de estar sozinha, e ouvir o ruído dos outros pequenos seres à minha volta, era importante. havia mais gente , mais vida, mais problemas, mais revolta. desconhecia outros casos, mas sinceramente, não estava com paciência para conhecer. dei voltas e mais voltas. encontrando-me sempre fora do perímetro que me permitia observar o meu prédio. encontrando-me sempre fora do perímetro que me permitia observar um local demasiado familiar.
numa rua, bastante movimentada, encontrei o silêncio e a obscuridade que tinha medo de encontrar. uma casa abandonada, velha, que apesar do tempo, mantinha as cortinas presas nas janelas já gastas. uma vida deixada para trás. em tempos viveram ali pessoas, que abandonaram tudo. podem ter simplesmente mudado de casa, ou de mundo. o sentimento de medo cresceu. ligaram-me. tinha de voltar atrás e ir buscar a minha irmã mais nova. já com ela, passei pela tal casa que me criou tanta confusão. ao pensar no que tinha sido ali deixado, agarrei-me a ela, dei-lhe a mão, e não a larguei. a sua fala rápida, e a sua excentricidade, encheram-me o coração. como nunca, até ali, tinham enchido. talvez noutro dia. num dia de alegria, ela teria percebido que me estava a irritar. olhou-me nos olhos, sorriu. e continuou a contar coisas que não me diziam minimamente nada. ao chegar a casa, largou-me. e correu para o muro. subiu-o com cuidado. ria e sorria. eu sorria também. era agora um sorriso que ambas partilhávamos. o dela, era o sorriso de uma criança, e o meu, o meu era o sorriso simples, esboçado por quem vê uma criança a sorrir.
(...)sim, porque a parte do sentimento que faltava desaparecer, apenas se foi, após uma longa noite de sonhos.

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